(De andada, com os pés na terra e a cabeça conectada ao universo, nós, que integramos a Ação Comunitária Caranguejo Uçá, pegamos a estrada e fomos nos religar com a ancestralidade na Aldeia Pedra d'Água Território do Povo Indígena Xukuru do Ororubá. A experiência nos mostrou que não há luta sem conexão espiritual e que é a partir da coletividade e da gentileza que devemos seguir nossa missão.)
Qual vida é defendida pelo povo Xukuru? O que significa ser Xicão? O que tem de especial essa assembleia anual que cada vez mais, atrai mais pessoas?
Qual vida é defendida pelo povo Xukuru? O que significa ser Xicão? O que tem de especial essa assembleia anual que cada vez mais, atrai mais pessoas?
As questões acima, não possuem respostas objetivas ou exatas. São
reflexões, aprendizagens e sentimentos experienciados à partir da vivência de
quem imerge na cultura do povo Xukuru do Ororubá. Ao longo dos quatro dias (17
a 20 de Maio), pode-se constatar que a Assembleia Xukuru é uma forma de ação
organizacional social e política entrelaçada com a espiritualidade.
As mesas de discussão, sediadas no espaço sagrado Mandaru (nome do
Cacique Xicão Xukuru, assassinado em 1998, agora encantado), são precedidas por
rituais de pajelança e ao final das atividades diárias, finalizadas por torés,
ao som de cantos que reverenciam as forças dos ancestrais, dos encantados e da
Jurema sagrada. Para o povo Xukuru, todas as feições presentes no território
(as matas, a pedra, o solo), assim como o sol e a chuva são elementos
considerados sagrados. Talvez, esse seja um fator crucial na relação entre os
povos indígenas e o ambiente que os cerca, no qual eles também são partes
integrantes. Não há "meio" ambiente, porque ele não se divide entre
natureza e ser humano. Na assembléia Xukuru, parece não haver espaço para as
divisões, mas sim para os compartilhamentos, de saberes, de experiências e de
cordialidades. A atenção, o cuidado e a gentileza estão presentes nesse povo
que afirma em alto e bom tom: "Nós apresentamos nesta assembleia um
projeto de nação".
Em vários momentos, o discurso do Cacique Marcos Xukuru (filho de Xicão)
versa sobre o respeito a pluralidade e a diversidade étnica e cultural,
característica marcante da população brasileira. Essa diversidade esteve
representada pelos povos indígenas, articulados em várias frentes regionais e
nacionais, seja através das suas lideranças, dos profissionais da saúde e
educação, da juventude, assim como pela mídia e comunicação, além de diversos
representantes de movimentos sociais e de organizações que apoiam as causas da
luta indígena. Dentre essas lutas, o desmonte da política indigenista, a
situação das reformas trabalhista e previdenciária, a voz das mulheres Xukuru,
a socialização do Acampamento Terra Livre (que já tornou-se um evento
internacional), assim como, a vitória do povo Xukuru na Corte Interamericana de
Direitos Humanos e a condenação do Estado Brasileiro, foram alguns dos temas
debatidos na plenária.
O cacique Marcos nos conta como surgiu o evento: “A assembleia é algo
que foi pensando pelo povo Xukuru depois da morte do Cacique Xicão, meu pai. Na
perspectiva de reaglutinar o povo Xukuru que estava disperso mediante o brutal
assassinato dele. Conseguimos fazer um encontro ampliado com todas as famílias
das 24 aldeias, na auto afirmação da nossa identidade, na luta pela terra, pela
educação e saúde. E à partir dali começa a irradiar para outras pessoas que
transcende a fronteira do território Xukuru”.
Com relação ao que se tornou a assembleia, Marcos afirma: “Hoje, esse
evento não é mais só assembleia do povo Xukuru, a gente recebe povos de todas
as regiões do país que se comungam nesse processo. Os temas são: análise de
conjuntura; políticas públicas e como elas podem ser trabalhadas internamente;
discussão sobre as ações do governo que vem causando danos às populações
indígenas e a população em geral. (...) A Assembleia Xukuru se torna hoje, esse
ambiente (espaço Mandaru), um espaço de todos os povos e de todos aqueles que
se congregam à luta em defesa da vida. Se amplia esse processo e temos aqui,
como um espaço revolucionário de construção de um país pluriétnico,
pluricultural e que respeita a diversidade e que consigamos reunir esse povo
para que possamos fazer o enfrentamento à partir dessas reflexões feitas por
todos nós”, enfatiza o cacique.
Para os povos indígenas, a estratégia de combater o movimento indígena,
é em vão, uma vez que essa luta é guiada pelo espírito, como afirma o Cacique
Kretan (Povo Kaigang): “Quantas vezes nós falamos o nome do Cacique Xicão
Xukuru aqui? (...) Por quê que o governo não consegue uma estratégia pra
enfrentar nós, os povos indígenas? Hoje, nós estamos num governo estrategista,
mas eles não sabem como nos enfrentar. Porque ninguém enfrenta o espírito,
enfrenta o guerreiro. Eles foram treinados para ser frio e o espírito não é
frio, é quente. (...) Ninguém pede pra entrar no movimento indígena nacional,
porque o movimento indígena é um grande espírito e ele vai buscando seus
aliados e vai trazendo pra dentro do movimento indígena. Esse grande espírito
que nós citamos por várias vezes aqui dentro.”
Cacique Marcos Xucuru (no centro à esquerda) entre outras lideranças indígenas. |
O Movimento Indígena está se articulando em vários estados para realizar
em Agosto, a 1ª Marcha de Mulheres Indígenas do Brasil. De acordo com Elisa
Pankararu, as pautas da marcha são: “As reivindicações pelo direito aos nosso
territórios sagrados, aos nossos territórios de bem viver, por uma educação que
valorize e fortaleça a identidade dos nossos povos, para que fortaleça o Sistema Único de Saúde
para todo o Brasil e um sistema de saúde próprio pra cada povo, porque também
temos nossos sistema de saúde em nossas aldeias.”
Elisa Pankararu (APOINME - Articulação de Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, MG e ES) |
Cacique Marcos Xukuru anunciando a caminhada. |
(Fortalecidos com essa troca de saberes ancestrais e compreendendo a força e importância da conexão espiritual nas lutas por direitos, seguimos firmes, juntos lutando contra a violação aos povos e comunidades tradicionais.)
“E diga ao povo que
avance.
Avançaremos!”
Avançaremos!”
Créditos das imagens: Israel (Uçá) Gabriel e Rodrigo Lima.
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