24 maio 2019

Limolaigo Toype: Em defesa da vida, eu sou Xicão! XIX Assembleia Xukuru


 


(De andada, com os pés na terra e a cabeça conectada ao universo, nós, que integramos a Ação Comunitária Caranguejo Uçá, pegamos a estrada e fomos nos religar com a ancestralidade na Aldeia Pedra d'Água Território do Povo Indígena Xukuru do Ororubá. A experiência nos mostrou que não há luta sem conexão espiritual e que é a partir da coletividade e da gentileza que devemos seguir nossa missão.) 

Qual vida é defendida pelo povo Xukuru? O que significa ser Xicão? O que tem de especial essa assembleia anual que cada vez mais, atrai mais pessoas?

As questões acima, não possuem respostas objetivas ou exatas. São reflexões, aprendizagens e sentimentos experienciados à partir da vivência de quem imerge na cultura do povo Xukuru do Ororubá. Ao longo dos quatro dias (17 a 20 de Maio), pode-se constatar que a Assembleia Xukuru é uma forma de ação organizacional social e política entrelaçada com a espiritualidade.

As mesas de discussão, sediadas no espaço sagrado Mandaru (nome do Cacique Xicão Xukuru, assassinado em 1998, agora encantado), são precedidas por rituais de pajelança e ao final das atividades diárias, finalizadas por torés, ao som de cantos que reverenciam as forças dos ancestrais, dos encantados e da Jurema sagrada. Para o povo Xukuru, todas as feições presentes no território (as matas, a pedra, o solo), assim como o sol e a chuva são elementos considerados sagrados. Talvez, esse seja um fator crucial na relação entre os povos indígenas e o ambiente que os cerca, no qual eles também são partes integrantes. Não há "meio" ambiente, porque ele não se divide entre natureza e ser humano. Na assembléia Xukuru, parece não haver espaço para as divisões, mas sim para os compartilhamentos, de saberes, de experiências e de cordialidades. A atenção, o cuidado e a gentileza estão presentes nesse povo que afirma em alto e bom tom: "Nós apresentamos nesta assembleia um projeto de nação".

           
Em vários momentos, o discurso do Cacique Marcos Xukuru (filho de Xicão) versa sobre o respeito a pluralidade e a diversidade étnica e cultural, característica marcante da população brasileira. Essa diversidade esteve representada pelos povos indígenas, articulados em várias frentes regionais e nacionais, seja através das suas lideranças, dos profissionais da saúde e educação, da juventude, assim como pela mídia e comunicação, além de diversos representantes de movimentos sociais e de organizações que apoiam as causas da luta indígena. Dentre essas lutas, o desmonte da política indigenista, a situação das reformas trabalhista e previdenciária, a voz das mulheres Xukuru, a socialização do Acampamento Terra Livre (que já tornou-se um evento internacional), assim como, a vitória do povo Xukuru na Corte Interamericana de Direitos Humanos e a condenação do Estado Brasileiro, foram alguns dos temas debatidos na plenária.


O cacique Marcos nos conta como surgiu o evento: “A assembleia é algo que foi pensando pelo povo Xukuru depois da morte do Cacique Xicão, meu pai. Na perspectiva de reaglutinar o povo Xukuru que estava disperso mediante o brutal assassinato dele. Conseguimos fazer um encontro ampliado com todas as famílias das 24 aldeias, na auto afirmação da nossa identidade, na luta pela terra, pela educação e saúde. E à partir dali começa a irradiar para outras pessoas que transcende a fronteira do território Xukuru”.

Com relação ao que se tornou a assembleia, Marcos afirma: “Hoje, esse evento não é mais só assembleia do povo Xukuru, a gente recebe povos de todas as regiões do país que se comungam nesse processo. Os temas são: análise de conjuntura; políticas públicas e como elas podem ser trabalhadas internamente; discussão sobre as ações do governo que vem causando danos às populações indígenas e a população em geral. (...) A Assembleia Xukuru se torna hoje, esse ambiente (espaço Mandaru), um espaço de todos os povos e de todos aqueles que se congregam à luta em defesa da vida. Se amplia esse processo e temos aqui, como um espaço revolucionário de construção de um país pluriétnico, pluricultural e que respeita a diversidade e que consigamos reunir esse povo para que possamos fazer o enfrentamento à partir dessas reflexões feitas por todos nós”, enfatiza o cacique.



Cacique Marcos Xucuru (no centro à esquerda) entre outras lideranças indígenas.
Para os povos indígenas, a estratégia de combater o movimento indígena, é em vão, uma vez que essa luta é guiada pelo espírito, como afirma o Cacique Kretan (Povo Kaigang): “Quantas vezes nós falamos o nome do Cacique Xicão Xukuru aqui? (...) Por quê que o governo não consegue uma estratégia pra enfrentar nós, os povos indígenas? Hoje, nós estamos num governo estrategista, mas eles não sabem como nos enfrentar. Porque ninguém enfrenta o espírito, enfrenta o guerreiro. Eles foram treinados para ser frio e o espírito não é frio, é quente. (...) Ninguém pede pra entrar no movimento indígena nacional, porque o movimento indígena é um grande espírito e ele vai buscando seus aliados e vai trazendo pra dentro do movimento indígena. Esse grande espírito que nós citamos por várias vezes aqui dentro.”


Cacique Kretan Kaigang (APIB - Articulação dos Povos Indígenas do Brasil)

O Movimento Indígena está se articulando em vários estados para realizar em Agosto, a 1ª Marcha de Mulheres Indígenas do Brasil. De acordo com Elisa Pankararu, as pautas da marcha são: “As reivindicações pelo direito aos nosso territórios sagrados, aos nossos territórios de bem viver, por uma educação que valorize e fortaleça a identidade dos nossos povos,  para que fortaleça o Sistema Único de Saúde para todo o Brasil e um sistema de saúde próprio pra cada povo, porque também temos nossos sistema de saúde em nossas aldeias.”

Elisa Pankararu (APOINME - Articulação de  Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, MG e ES)
A Assembleia teve encerramento com a missa em memória ao Cacique Xicão e outras lideranças Xukuru, realizada nas matas sagradas (onde estão plantados), posteriormente, a caminhada que tem início no limite do Território Xukuru, desce a serra do Ororubá e segue pelo centro da cidade de Pesqueira até o local onde o cacique foi assassinado.



Cacique Marcos Xukuru anunciando a caminhada. 

(Fortalecidos com essa troca de saberes ancestrais e compreendendo a força e importância da conexão espiritual nas lutas por direitos, seguimos firmes, juntos lutando contra a violação aos povos e comunidades tradicionais.)

“E diga ao povo que avance.
Avançaremos!”



Créditos das imagens: Israel (Uçá) Gabriel e Rodrigo Lima.

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