25 julho 2018

Territórios Pesqueiros: conexão em rede pelas águas




Recife = Um substrato natural consolidado submerso ou a flor d'água. Recifes ou arrecifes são formações rochosas, podendo ser de arenito, de corais ou coberto por algas calcárias. Os recifes são ecossistemas de alta biodiversidade, característicos de águas costeiras nos mares tropicais. Em outras palavras, recife é uma morada de peixe e onde tem peixe, tem pesca! Assim é a cidade de Recife, um território pesqueiro. A capital estadual mais antiga do Brasil (481 anos), surgiu em 1537 na área portuária da Capitania de Pernambuco. Situada numa planície aluvial, abraçada por rios e regida pelas marés e pelas chuvas, também é conhecida no cenário artístico como MangueTown, devido aos manguezais de grande fertilidade orgânica e cultural. Por essas características naturais e sociais, o Recife é uma cidade das águas e possui uma identidade cultural pesqueira.

Porém, devido à uma política econômica desenvolvimentista que prioriza os interesses privados em detrimentos dos direitos coletivos, os territórios pesqueiros encontram-se descaracterizados. Alguns fatores como: verticalização da cidade, especulação imobiliária, uso e ocupação do solo de forma desordenada, poluição ambiental, descaso público com as águas, um sistema de esgotamento sanitário deficiente ou inexistente, além da carência de políticas públicas de educação e saúde contextualizadas colocam as Comunidades Tradicionais Pesqueiras em um cenário degradante, onde são sistematicamente invisibilizadas. Esse modelo de política segregadora e excludente não leva em conta a identidade cultural destas comunidades, logo não percebe o potencial das águas, para a mobilidade urbana, economia, gastronomia local e valoração ambiental. Para reverter esse cenário é importante criar mecanismos de participação popular, onde diferentes grupos sociais possam estar presentes para opinar sobre tomadas de decisão que definem o rumo da cidade, sobretudo no corrente ano, quando está prevista a revisão do plano diretor da cidade. 


Recife é uma morada de peixe e onde tem peixe, tem pesca!

Diante disso, a Ação Comunitária Caranguejo Uçá, vem realizando Cine-Debates nas Comunidades Tradicionais Pesqueiras, exibindo o vídeo "Encontro de Pescadores e Pescadoras do Recife". O vídeo é um registro documental resultante do evento realizado em Setembro de 2017 e as sessões fazem parte do projeto "Territórios Pesqueiros: conexão em rede pelas águas" que tem apoio da Purpose e serão exibidas em 12 comunidades pesqueiras entre Julho e Agosto de 2018. 


Anfi-teatro do Caranguejo Uçá (Ilha de Deus).


Para os pescadores da Comunidade do Bode, fatores como poluição e novos empreendimentos podem comprometer a continuidade das atividades pesqueiras na região. "A situação não está muito boa. Tem poluição, tem esses aterros, tem essa Via Mangue (obra viária) que passou aí e prejudicou os pescadores, que não tem mais acesso pra passar com as baiteiras, se forem grandes. Precisamos de ajuda na comunidade que está nessa situação, se continuar desse jeito a pesca vai parar, porque não vai ter condições de navegar, principalmente aqui nesse braço de rio", ressalta Joel dos Santos.  

Os impactos ambientais são apontados como motivadores do desaparecimento de algumas espécies, antes abundantes para a pesca realizada pela comunidade, como destaca o pescador Antônio Márcio: "A gente pegava muito siri, hoje em dia, não se vê mais. Não só sumiu o siri, mas o peixe tá muito escasso, a unha-de-velho que se pegava muito, hoje em dia a gente também não vê. É muita sujeira, muito lixo, muita poluição, por causa disso vem afetando muito a área pesqueira".


Joel dos Santos, pescador do Bode

Antônio Márcio, pescador do Bode

A sessão de cine-debate no Bode, também abre possibilidades para vários questionamentos, no que se referem ao tipo de moradia das Comunidades Tradicionais Pesqueiras e os meios de mobilidade, para quem vive em uma zona urbana como Recife. Segundo Stilo Santos (grafiteiro, articulador e educador social): "Não tem como pensar em clima, cidade, mobilidade etc sem as águas. Como é que a gente consegue chegar na Ilha de Deus em 8 minutos de barco, mas tem que pegar um ônibus, um metrô e outro ônibus e ainda andar um bocado na Vila da Imbiribeira, para chegar lá?"  

De acordo com Stilo, "A gestão pública precisa dialogar com a gente que tá na ponta, com os pescadores, ambulantes e outros setoriais pra entender quais são as dinâmicas. Pensar numa ótica nova, por exemplo: fluvial. A gente foi e voltou no carnaval desse ano, nos 4 dias de barco e tava o maior congestionamento nas avenidas pra pegar transporte coletivo, Uber, táxi e a gente tava de barco, com muita rapidez e segurança também. Se trocar ideia com as comunidades pesqueiras, a cidade vai conseguir contribuir numa lógica de habitação social, onde as pessoas possam morar. A gente tá aqui há muito tempo e nossa discussão é urbanizar isso da forma que a gente quer viver, porque a cidade é urbana, mas é pesqueira e é mangue".


Stilo Santos, grafiteiro, articulador e educador social (Coletivo Pão e Tinta/Livroteca Brincante do Pina)

O grafiteiro Stilo também destaca um fato curioso, o Bode como a primeira Comunidade Tradicional Pesqueira de Pernambuco, também é uma ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), além disso, está localizada no bairro do Pina que possui o m² mais caro de Recife. A alta especulação imobiliária no bairro do Pina que atrai empreendimentos empresariais e residenciais se contrapõe à realidade dos profissionais da pesca. "Nossa habitação é crítica, nós precisamos de uma moradia digna, que não temos. Nós moramos em palafitas há muito tempo", afirma o pescador Joel, que também destacou a importância do cine-debate, por reunir pescadores e pescadoras e fortalecer outras organizações que trabalham em prol das comunidades pesqueiras. Outras sessões de Cine-Debate acontecerão nas comunidades: Vila São Miguel, Vila Tamandaré, Coelhos, Coque, Caranguejo-Tabaiares, Brasília Teimosa, Ponte do Limoeiro, Espaço Ciência e Ilha do Maruim (Olinda).



Porto do Bode



"A gente tá aqui há muito tempo e nossa discussão é urbanizar isso da forma que a gente quer viver, porque a cidade é urbana, mas é pesqueira e é mangue."


Porto do Bode


Caranguejo Uçá é Arte e Solidariedade!

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