23 setembro 2008

Ilha de Deus pensa grande!



Moradores da comunidade situada na Zona Sul do Recife contam com atividades de educação e cultura promovidas pelo Coletivo Caranguejo Uçá para fazer a diferença
Michelle de Assumpção // Diario
michelle.assumpção@diariodepernambuco.com.br

A pesca do marisco, sururu e camarões de cativeiro é hoje a atividade comercial mais importante para os moradores da Ilha de Deus, comunidade cercada pelos manguezais, no bairro da Imbiribeira, Zona Sul do Recife. Marcelo Santos, 20 anos, tira dessa atividade o sustento da família. Tão novo, já tem duas filhas, uma com dois anos, outra de oito meses. Ele também faz bicos limpando pés de coco, mas o seu negócio mesmo é pescar na maré. A banda percussiva Nação da Ilha é uma diversão e um sonho. "Se tocar com fé, vai prá frente", diz ele. O amigo de tocadas Diego Lima de Santana, 16 anos, também acredita na força do grupo. "Eu espero que cresça, que apareça negócio para nós, estamos aqui para mostrar o que a gente sabe fazer", diz ele. No dia que a reportagem visitou a Ilha de Deus para conhecer as diversas atividades realizadas pelo centro de educação e cultura Caranguejo Uça, o grupo percussivo Nação da Ilha promoveu um arrastão paraauxiliar na produção das fotos que ilustram esta matéria.

O batuque é muito bom; mistura maracatu com variados ritmos percussivos. Os meninos tocam com alegria, o prazer é visível e a vontade de aparecer também. Na última reportagem da série sobre exemplos da utilização da arte com ideais de auto-sustentabilidade e coletivismo, a função do Caranguejo Uça, na Ilha de Deus, impressiona pela força que tem de mexer com uma comunidade inteira. Não há como ficar imune à atuação deste coletivo. Mesmo porque, durante todo o dia, caixinhas de som espalhadas pelos postes das ruazinhas da Ilha, transmitem a programação da Rádio Boca da Ilha, cujo estúdio funciona na casa sede do Caranguejo Uçá.

Toda grafitada, o espaço guarda parte da cultura imaterial da Ilha. E material também: alfaias e uma boa quantidade de instrumentos percussivos, muitos livros, e computadores. Além dos equipamentos da Rádio Boca da Ilha. Sua invenção não foi aleatória ou montada por um grupo isolado. O Caranguejo Uçá é fruto natural do interesse da população da Ilha pelas manifestações populares. Introduzidas por gente antiga, como Zé Porquinho, que trouxe o coco de Olinda; Seu Amaro Marcolino, que fazia um brinquedo chamado Burra Calu; Dona Albertina, entre outros. "O Caranguejo é sem dúvidas resultado da ausência de iniciativas políticas, mas que não nos levaram à marginalidade. Essa forma de manifestação podia ser com armas, mas as famílias daqui escolheram a arte, do teatro, da música, da costura, da própria arte de tear as redes de pesca", diz o ativista cultural da Ilha de Deus, Edson Fly.

Militante cultural, batalhador dos interesses da comunidade, Edson não trabalha sozinho, mas encerra em sua figura toda força de articulação que o Caranguejo Uçá tem dentro, e fora, da Ilha de Deus. Edson frisa que o grupo não é o único que faz a diferença na comunidade. Tem a escola municipal Capela Santo Antônio, a igreja evangélica, a escola comunitária, a associação dos donos de camarão, além das domésticas marisqueiras. É com essa visão macro que eledefende sua posição.

"Moro aqui desde os seis meses. Isso não é motivo de orgulho, o que acontece aqui hoje devíamos ver em toda esquina, não me sinto 'o cara', a referência, mas sei que estou dando a minha contribuição", diz o colaborador. É também ele quem freqüenta as reuniões da Rede de Resistência Solidária (retratada na reportagem que abriu esta série) e discute ações que serão tomadas de forma coletiva por todos os envolvidos. "Dialogamos com sessenta comunidades do Recife", conta Edson.

Na casa que um dia foi dos pescadores, Edson é o responsável pelas atividades diárias do Caranguejo Uçá. Alimenta o blog, realiza seu programa de rádio poste, intitulado Ainda estamos pensando, e faz planejamentos para os demais núcleos do grupo: TV Mocambo (um telão que exibe filmes e documentários todo sábado), brechó cultural (que reúne todas as expressões e produtos feitos dentro da Ilha) e ações de meio ambiente (que denunciam pesca predatória e envolvem grupos de pesquisadores de universidades interessados na diversidade de espécies encontradas na Ilha).

"Esse movimento é iniciativa de diversas pessoas que se cansaram de ser alvos de críticas. O Caranguejo surgiu dessa indignação, com som, com rádio, com oficinas de teatro, com oficinas de leitura e fabricação de instrumentos", conta Fly. Como programador da rádio Boca da Ilha, Edson trata de passar para todos os moradores o que acontece dentro do núcleo, sempre em ebulição. "A gente incentiva a não usar drogas, a tocar, ler e estudar", diz ele. A rádio também não toca brega comercial, que segundo Fly verbaliza formas degradantes da mulher e do homem. Apesar de tantas atividades, ele não está satisfeito. Quer ver seus parceiros nas universidades públicas. "Nosso esforço tem que ser maior, mas nada é impossível. Não adianta ter habilidade para usar computador, tocar bem, se não tiver o canudo. É assim que vamos fazer a diferença", alerta.

Um comentário:

Juliana Barral disse...

Quanto mais pesquiso sobre essa comunidade, mais me fascino! Espero conseguir fazer parte de mudanças junto com vocês!