20 outubro 2017

CARTA DO ENCONTRO DOS PESCADORES E PESCADORAS DE RECIFE “Pescadoras e Pescadores na Luta em Defesa de Direitos e Territórios Pesqueiros Tradicionais”





É com a força das lutas cotidianas de mulheres e homens da pesca artesanal que nós, das Comunidades Tradicionais Pesqueiras da cidade de Recife (Brasília Teimosa, Bode, Ilha de Deus, Coelhos, Coque, Vila São Miguel, Caranguejo Tabaiares, Vila da Imbiribeira, Vila Tamandaré, Ponte do Limoeiro, Espaço Ciência) e Ilha do Maruim em Olinda, com o apoio das organizações da sociedade civil, instituições de ensino e pesquisa, apresentamos, através desta carta, o nosso Grito de Resistência por ocasião do ENCONTRO DOS PESCADORES E PESCADORAS DE RECIFE, que teve como tema “Pesca Artesanal no Recife: Desafios e Perspectivas na Consolidação dos direitos e Territórios Pesqueiros Tradicionais” ecuja realização deu-se nos dias 18 e 19 de setembro de 2017, às margens do Rio Capibaribe, no Memorial de Medicina de Pernambuco, Recife, Brasil.
Cidade do Recife que surgiu de uma Vila de Pescadores, onde a maior parte de seus bairros constituiu-se como marca de uma vida ribeirinha, historicamente influenciada pelos rios, mangues, estuários, córregos e a própria pesca artesanal. Sem dúvida, Recife necessita reencontrar-se consigo ao valorizar seu mundo das águas e aquelas e aqueles que sempre fizeram desse recurso natural, principal meio de existência material e simbólico de suas vidas. Por isso, o Encontro foi também um Grito Histórico.
Nele [no Encontro], discutimos e constatamos que as nossas Comunidades Tradicionais Pesqueiras Urbanas vivenciam cotidianamente sistemáticas pressões e violências provocadas pelo desenvolvimento de um projeto de cidade cada dia mais excludente em termos de classe, juventude, gênero e raça/etnias; que nega a existência e o pleno desenvolvimento das Comunidades Tradicionais Pesqueiras. Tudo isso se liga a um projeto de cidade ambientalmente injusto, que encontra nos rios uma comprovação desse fenômeno, a partir das formas insustentáveis de usos de suas águas (esgotamento doméstico; depósito e descarte de resíduos domésticos, hospitalares e industriais; desmatamento dos mangues; assoreamento dos rios; especulação imobiliária e urbanização negadora da reprodução do modo de vida ribeirinho/pesqueiro).
            Intensificando esse aspecto, a ausência de dados sobre a produção pesqueira e o não reconhecimento dessas populações como ocupantes históricas dessas áreas urbanas, produzem ainda mais bloqueios para a continuidade desse modo de vida tradicional em termos de produção econômica e de identidade sociocultural.
Apesar disso, como aspectos da resistência das Comunidades Tradicionais Pesqueiras, que trabalham há décadas em rios e mangues maltratados por este modelo de cidade, dados preliminares demonstram que mais de 1.400 famílias vivem diretamente da produção de pescados, retirada dessas águas. Comunidades como Ilha de Deus, juntamente com Vila da Imbiribeira e Bode, produzem mensalmente mais de 30 toneladas de polpa de sururu, além de outras espécies de peixes, moluscos e crustáceos, o que reflete a importância da pesca artesanal para a soberania e segurança alimentar e também econômica dessas comunidades – assim como para uma significativa parcela da população da cidade. Recife possui hoje, a maior frota de embarcações lagosteiras de Pernambuco, com 40 embarcações licenciadas, envolvendo diretamente mais de 200 pescadores.
Outro fato relevante e que, de certa maneira, anuncia a tradição da pesca na cidade de Recife, é a capital pernambucana ter a Colônia de Pesca mais antiga do estado, cuja criação ocorreu no início da década de 1920.
            Diante dessa realidade, que nos mostra a concretude da atividade pesqueira artesanal na cidade de Recife como fonte de reprodução da vida de mais de mil famílias, chamamos a atenção para a existência dos Territórios Pesqueiros Urbanos. Os Territórios Pesqueiros são constituídos por elementos concretos e subjetivos que permeiam a referida atividade – como a água dos rios, mangues, mares e marés; a terra que serve para moradia, vivências e trabalho; além das relações históricas, identitárias e afetivas que as comunidades mantêm com esses espaços.
A violência com as comunidades pesqueiras artesanais se dá principalmente em dois âmbitos. Um deles é o âmbito político, pela ausência de políticas públicas direcionadas às comunidades e à atividade, ou pela efetivação de políticas que resultam em consequências negativas, como privatização de áreas de uso comum e negação do acesso às áreas de navegabilidade. O outro âmbito, que se relaciona com o anterior, é o territorial, onde a violência se dá tanto pela poluição e degradação da natureza nos espaços de pesca (e na cidade de forma geral), refletindo-se em impactos sobre a reprodução e diversidade de espécies pesqueiras; como também pelo avanço do capital privado e/ou do Estado nesses territórios, através de empreendimentos e apropriações diversas, que disputam um espaço secularmente ocupado e apropriado por essas comunidades por meio do trabalho pesqueiro.
Os Territórios Pesqueiros Urbanos de Recife são, nesse sentido, invisibilizados, criminalizados e ameaçados, o que contribui dentre outras coisas, para uma crescente precarização da atividade e instabilidade econômica para as famílias que vivem da referida atividade.
Soma-se ao descaso dos poderes públicos municipais e estadual, o período de grandes retrocessos políticos, econômicos, sociais e culturais que vive o país hoje, com a negação de direitos constituídos. Direitos estes, conquistados com muitas lutas populares ao longo de todo século XX, sendo cristalizados na Constituição Federal de 1988. Tal conjuntura de perda de direitos tem, de forma indireta e direta, impactado (e continuará impactando) negativamente as Comunidades Tradicionais Pesqueiras de Recife.
Nesse sentido, as 12 comunidades presentes no Encontro, objetivam o reconhecimento da sua agenda histórica de reivindicações, seja contra o constante descaso das autoridades locais, estaduais e federal; seja em favor da implementação e conquista de direitos fundamentais dos trabalhadores e trabalhadoras da pesca artesanal (registros trabalhista e previdenciários); seja por um atendimento/assistência a saúde que contemple as particularidades dos homens e mulheres que vivem da pesca – em especial, à saúde das mulheres, susceptíveis a doenças ocupacionais por estarem muito tempo dentro da água e expostas às insalubridades do ambiente de trabalho degradado. Além disso, cabe ressaltar as situações de vulnerabilidade às quais essas mulheres estão expostas, como assaltos, estupros e violências. Ademais, esses territórios por se caracterizarem pela população negra e em situação de pobreza, vivenciam ainda, diariamente, o extermínio e encarceramento de jovens negros e negras.
Por fim, numa cidade envolvida pelas águas, as questões apresentadas que afetam as comunidades pesqueiras, também afetam toda a população recifense. Reafirmamos, portanto, nossos compromissos de luta em defesa e reconhecimento dos Territórios Pesqueiros e garantia dos direitos das comunidades tradicionais.

Recife, 19 de setembro de 2017.
1.      
1.     Alexsandro de Souza Gouveia – Ilha de Deus
2.     Ana Mirtes da Silva Ferreira – Ilha de Deus
3.     Ana Paula F. dos Reis – Ilha de Deus
4.     Aniérica Almeida – Centro Sabiá
5.     Antonio Marcio Moreira de Carvalho – Bode/Pina
6.     Augusto da Silva Guimarães – Colônia dos Pescadores  Z 01 (Brasília Teimosa)
7.     Beatriz Mesquita - Pesquisadora
8.     Carmelita Júlia da Silva – Ilha de Deus
9.     Carlos André Justino da Silva – Ilha de Deus
10. Carlos Alberto de Oliveira – Espaço Ciência
11. Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá
12. Conselho Pastoral dos Pescadores  - Regional Nordeste 02 (CPP/NE)
13. Clênio da Silva Alves – Vila Tamandaré
14. Cristina Nascimento de Lima – Vila da Imbiribeira
15. Danilo Firmino dos Santos – Pode/Pina
16. Debora Maria de Santana – Ilha do Maruim/Olinda
17. Dijane Maria dos Santos – Vila Tamandaré
18. Djailson Felix da Silva – Vila Tamandaré
19. Dr. Beatriz Mesquita – Pesquisadora
20. Dr. Cristiano W.N. Ramalho – Pesquisador PPGS/UFPE
21. Dr. Suana Medeiros Silva – Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Espaços Agrários e Campesinos – LEPEG/UFPE.
22. Edileuza Silva do Nascimento – Brasília Teimosa
23. Edline Silva Nascimento – Brasília Teimosa
24. Edna Francisca Maciel – Vila da Imbiribeira
25. Edson Cruz – Ação Comunitária Caranguejo-Uça/ACCU
26. Edeilton Ribamar - Coque
27. Eliane Romão de Andrade – Ilha do Maruim/Olinda
28. Elivânia Maria Paiva Rocha – Poupança Comunitária (Vila Tamandaré)
29. Eloisa Amaral L. de Medeiro – ACCU e Ciranda de Mulheres
30. Erivaldo Antonio da Costa – Vila Tamandaré
31. Fabio Pereira de Lima – Vila da Imbiribeira
32. Federação dos Órgãos Assistências, Social e Educação - FASE /Recife
33. Francisca das chagas Rodrigues – Brasilia Teimosa
34. Francineide Patricia Alves – Ilha de Deus
35. Gabriel Felix da Silva – Vila Tamandaré
36. Girlande Maria – Brasília Teimosa
37. Humberto Gonçalves – Vila Tamandaré
38. Iracema Vieira dos Santos – Ilha do Maruim
39. Isabela Maria Santos de Andrade – Bode/Pina
40. Iranildo Crispim Gomes – Espaço Ciência
41. Ivanildo Siqueira da Rocha – Ilha de Deus
42. Jardieli Maria de Souza – Ilha de Deus
43. José de Assis – Brasília Teimosa
44. José Faustino - Coque
45. Jaciara Galdino M. de Moura – Vila da Imbiribeira
46. Jailson F. da Silva – Vila Tamandaré
47. Jonas do Nascimento – Bode/Pina
48. Joana Rodrigues Mousinho -  MPP/ANP
49. Joana Santos Pereira – FASE
50. José Carlos de Sena Machado
51. José Elizeu – Caranguejo Tabaiares
52. José Fernando Damasceno – Vila Tamandaré
53. José Ignácio Vega Fernandez – Laboratorio de Estudos Rurais do Nordeste – LAE-RURAL/UFPE
54. José Lopes Souza – Ilha de Deus
55. Jose Jorge Marques da Silva – Ilha do Maruim
56. José Rufino de Paula Filho – Coque
57. Juvenita Albuquerque  - Pesquisadora
58. Juliana dos Santos Tavares - Pina
59. Laurineide Maria V. C. de Santana – CPP/NE
60. Leandro Luiz Lima - Ação Comunitária Caranguejo-uçá/CCU
61. Lourenço T. do Nascimento – Espaço Ciência
62. Luciano V. da Cruz – Vila São Miguel
63. Lucimar Helena dos Santos – Brasília Teimosa
64. Luiz Carlos Euclides da Silva – Ilha de Deus
65. Maria da Paixão – Vila da Imbiribieira
66. Maria Elania da Silva – Vila Tamandaré
67. Maria Sueli do Nascimento – Ilha do Maruim/Olinda
68. Mario Ramos da Silva – Bode/Pina
69. Moises Florêncio da Silva –
70. Moises Lucio dos Anjos – Vila São Miguel
71. Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil – Regional Pernambuco
72. Ornela Fortes de Melo – CPP/NE
73. Paulo Pessoa Lacerda – Espaço Ciência/Santo Amaro.
74. Paulo H. da Silva Neto – Vila Tamandaré
75. Pedro Henrique Silveira Santos – Pesquisador
76. Rodrigo Lima Guerra de Moraes – Ação Comunitária Caranguejo-uçá/CCU
77. Roberta Maria Fernandes – Ilha de Deus
78. Rosimere Nery – FASE/RECIFE
79. Rudrigo Rafael - FASE
80. Sandro Florencio da Silva
81. Sandro Lorenço de Santana - Bode
82. Severino Antonio dos Santos – CPP/NE
83. Simone Ferreira Teixeira – UPE
84. Sismara Silva Campos –  Pesquisadora
85. SOS CORPO – Instituto Feminista para Democracia
86. Tarcísio Quinamo – Pesquisador
87. Terezinha Filha – ACCU/Ciranda de Mulheres
88. Valdenice Herculano da Silva – Ilha de Deus
89. Vera Lucia Pereira do C. de Holanda – Ilha do Maruim/Olinda
90. Veronica Maria da Silva Gomes Alves – Ilha do Maruim/Olinda
91. Veronica Fox – Pesquisadora
92. Yasmim Alves – PSOL/Recife
93. Hamilton Tenório – Ação Comunitária Caranguejo-Uça/ACCU
94. Valdelice Herculano – Ilha de Deus
95. Wilson Melo da Silva – Vila São Miguel

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